R e v i s t a . e l e c t r ó n i c a . d e . f i c ç ã o . c i e n t í f i c a . e . f a n t á s t i c o

Crónicas do Caos — Viagem a Neptuno

por Jeffrey A. Carver

uma crítica de Jorge Candeias

publicada em 18.10.2003

Jeffrey A. Carver é um escritor americano de ficção científica de segunda linha que se estreou com ficção curta no já algo longínquo ano de 1974 e teve o seu primeiro romance publicado em 1976 (curiosamente não no seu país natal, mas sim no Canadá).
Crónicas do Caos — Viagem a Neptuno data de 1994. Ou seja, Carver já tinha uma carreira de 20 anos atrás de si quando começou a publicar esta sua trilogia, baseada na teoria do caos, que nessa época assaltou quase todas as imaginações com algum interesse pela ciência, como se fosse uma autêntica epidemia. Era já, portanto, um escritor experiente. Quase um veterano nestas coisas de escrever FC.
Mas não se nota muito a veterania, seja no que isso tem de bom, seja no que tem de mau.
Viagem a Neptuno, tradução algo disparatada de Neptune Crossing, passa-se quase por inteiro em Tritão, de longe o maior satélite de Neptuno, acompanhando o seu planeta nas voltas pelas profundezas geladas do Sistema Solar exterior. Tritão é, aliás, o corpo mais frio do sistema solar, pelo menos entre aqueles cuja temperatura superficial é conhecida. É também um dos mais misteriosos corpos do sistema, apresentando uma série de propriedades intrigantes — daí, provavelmente, a escolha de Carver.
É em Tritão que está estabelecida uma operação de minagem de uns quaisquer minérios preciosos e extremamente raros porque provenientes dos restos, abandonados há milhões de anos, de uma civilização alienígena. E é aí que trabalha John Bandicut, um antigo piloto de naves interplanetárias que se viu relegado para a superfície depois de o chip que lhe permitia a interação directa entre o cérebro e a nave, necessária para a pilotagem, ter sofrido uma avaria, deixando de funcionar e provocando em Bandicut problemas mentais que por vezes se revelam em "fugas de silêncio".
Acontece que é precisamente de algo assim que precisam os quarx. Mas que é um quarx?
Os quarx são uma raça muito antiga de extraterrestres que vivem algures entre o espaço tridimensional (ou tetradimensional, se contarmos com o tempo) que todos conhecemos e uma outra quarta (ou quinta) dimensão, que permanece misteriosa. Mas não são uns extraterrestres quaisquer. São extraterrestres com uma missão: tentar salvar outras civilizações que se vêem ameaçadas por acontecimentos que podem levar à sua extinção.
No caso da Humanidade, esse acontecimento tem a forma de um cometa que, ao ter a sua órbita alterada por interacções gravitacionais de natureza caótica, se vai dirigir directamente para a Terra, criando o risco de um cataclismo global. Caso a colisão aconteça, a extinção da Humanidade é quase certa, uma vez que a destruição, na Terra, será completa, e os postos avançados que foram estabelecidos no espaço não têm viabilidade caso falte a retaguarda constituída pelo planeta-mãe.
O quarx vai, pois, instalar-se no cérebro de Bandicut, procurando convencê-lo a tomar o único caminho possível para a salvação da espécie humana. Mas isso é tudo menos fácil, não só porque o tal caminho é complicado, especialmente para alguém que na prática está preso na superfície de um satélite a 30 unidades astronómicas do Sol (entre 29 e 31 UA da Terra — e para quem não sabe, uma UA é a distância que vai da Terra ao Sol, quase 150 milhões de quilómetros), como também porque o quarx comete erros que vão dificultar ainda mais a tarefa. E também proque Bandicut não pode falar a ninguém do seu companheiro: se às fugas de silêncio se somassem histórias de "possessão" por uma entidade alienígena, tomá-lo-iam de imediato por doido varrido.
A história é, portanto, a da luta de quarx e Bandicut contra todas as dificuldades em cumprir a sua tarefa, e também, por vezes, um contra o outro.
Ora bem: como o livro é o primeiro volume de uma trilogia, facilmente se adivinha qual vai ser o seu desenlace (mas mesmo assim, não vo-lo revelarei). E isso retira boa parte do sentido às curvas e contracurvas do argumento, fazendo com que toda aquela pirotecnia soe extremamente artificiosa, e com que muitos dos acontecimentos da história pareçam gratuitos, colocados nela apenas para encher páginas. E isso não é nada bom.
Pior, muito pior, é a tradução. Nem me vou alongar sobre ela. Basta dizer que é péssima, tão má que chega a afligir. Algo de anormal se passa quando um tradutor traduz literalmente todas as expressões ideomáticas que encontra no texto, incluindo insultos tão bem conhecidos como "asshole". "Olho do cu" não é a tradução adequada para "asshole", como bem sabe qualquer pessoa com um mínimo (mas mínimo mesmo) de conhecimento da língua inglesa. E também um mínimo de conhecimentos de português, visto que tal insulto pura e simplesmente não existe na nossa língua. O mais semelhante é "cara de cu".
Sem aquela tradução perfeitamente cataclísmica, Viagem a Neptuno mereceria três estrelas. É um livro banal de FC, com algumas ideias interessantes concretizadas de forma insatisfatória, como é comum acontecer no género. Mas com uma tradução daquelas tem de receber nota negativa. Duas estrelas.

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Crónicas do Caos - Viagem a Neptuno

por Jeffrey A. Carver

Publicações Europa-América

colecção Nébula, nº 72

tradução de Maria Manuel Tinoco

1999

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Jorge Candeias escreveu:

 

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(leia a crítica de Octávio Aragão)

 

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